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Desafios do design cross-cultural

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Quem já acompanhou alguns de meus posts sabe que há alguns anos tenho trabalhado quase que exclusivamente com mercado internacional, especialmente Estados Unidos e Inglaterra, então não preciso mencionar que praticamente 100% do meu trabalho gira em torno do inglês.

Recentemente recebi um email a respeito de um job, e para minha surpresa o aplicativo seria para o mercado russo. Não dei muita bola para este fato, mas no decorrer do projeto percebi o quanto uma cultura diferente influenciou e desafiou meu trabalho.

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O aplicativo em questão tem uma premissa simples: você está andando sozinho e percebe algum perigo, como alguém te seguindo. Você abre o app, segura o botão principal e quando soltar tem 10 segundos para colocar sua senha. Se o tempo expirar, seus contatos (ou guarda-costas, como são chamados no app) serão notificados e poderão providenciar socorro.

Já é interessante ver por aqui as diferenças culturais: não sei se daria muito certo no Brasil, considerando que seria ainda mais perigoso tirar o celular do bolso, mas enfim, deixa pra lá…

O processo de design iniciou com um fluxograma e wireframes enviados pelo cliente, e meu trabalho foi quase que 100% focado em UI e Visual Design (significando que eu não entrarei aqui em detalhes muito profundos e complexos sobre aspectos técnicos de UX).

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Desafio #1 – O alfabeto

Só conseguimos ter a noção do quanto um alfabeto nos afeta quando precisamos lidar com um alfabeto diferente. E ainda não estou falando das diferenças visuais, mas de fatos mais simples como ter o equipamento apropriado para lidar com isto.

Eu então percebi que não conseguiria digitar absolutamente nada do que estava escrito, pois não tenho teclado cirílico. Parece ser besteira, mas passar o projeto todo no copy / paste pode acabar com sua produtividade, além de ter que ficar usando o Google Translator para lembrar do que se tratam as frases.

Lidar e se comunicar com clientes pode ser muito ou pouco desafiador, mas é sempre um desafio. Uma das habilidades essenciais do designer é conseguir traduzir os requerimentos de um cliente / usuário para experiências visuais, portanto adicionar um processo de tradução neste mix definitivamente é um complicador.

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Solução: pedi ao cliente que criasse um documento contendo tradução de tudo, cada palavra. Pode parecer óbvio, mas eu não achei que precisasse até que precisei.

 

Desafio #2 – As ferramentas

Designers de Interface têm uma série de ferramentas à sua disposição. Alguns vão defender o pacote Adobe, outros vão matar pelo Sketch, mas a verdade é que isto não importa muito. O propósito da ferramenta é te servir e ajudar, mas uma diferença na linguagem com a qual você está acostumado a trabalhar pode fazer surgir limitações das quais você não estava ciente.

Seguindo em frente no projeto, me deparei com a seguinte surpresa: por incrível que pareça, algumas fontes não funcionaram em cirílico, mesmo tendo suporte. Quando o texto era em russo algumas fontes eram revertidas a fontes do sistema e estragava todo layout.

Seria um problema contornável se fosse só relacionado à fonte, mas então descobri que o Sketch também apresentou limitações neste quesito – algumas fontes funcionavam em cirílico no Photoshop mas não no Sketch (não sei se por limitações de OS ou do próprio software).

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Solução: eu teria que mudar minha ferramenta de preferência (do Sketch para o Photoshop) ou encontrar uma fonte que funcionasse no Sketch. Acabei encontrando uma fonte – que não era a minha escolha inicial.

Agora com o texto em mãos e uma fonte que funciona, está tudo tranquilo. Mas é claro que não!

 

Desafio #3 – O idioma

Designers falam sobre tipografia, mas muitos se esquecem de que caracteres são formas, devendo ser tratadas como elementos gráficos. Nós podemos comunicar idéias não apenas através da combinação destas formas mas também sua distribuição, peso, espaçamento, entre outras coisas, e quanto menos estas formas forem familiares a você mais difícil será brincar com elas.

Grande parte do processo de design visual gira em torno de fazer bom uso de tipografia, portanto gosto de trabalhar com quebra de texto, dar ênfase em certas palavras e coisas do gênero. Mas como fazer isto quando não se conhece o idioma, sem precisar recorrer ao cliente a cada minuto? Como adaptar uma frase ou criar expressões sem saber nem o básico de uma língua?

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Solução: uso intenso do Google Translate para criar as expressões que eu queria, e então o cliente fez as correções a partir daí – nada ideal, mas funcionou. Foi uma alternativa mais barata se comparar a contratar um copywriter Russo.

 

Desafio #4 – Demografia

Ao falar de Design de Interfaces, é bem óbvio que a demografia tem um grande peso. Ela influencia as decisões de consumo, ações do usuário e muitas outras coisas que poderiam ser abrangidas em um plano estratégico. Mas podemos acabar esquecendo de considerar como diferentes culturas interagem com coisas que estão enraizadas em nosso subconsciente, como sugerem os estudos da semiótica.

Além do trabalho de UI, fiz também o design de ícone / logotipo para o app, que deveria traduzir um pouco do que se tratava o projeto. Ficou bem clara o quanto as diferenças demográficas impactam no design, incluindo na escolha de símbolos e metáforas, pois o óbvio muda de cultura para cultura.

Tivemos vários rounds até chegar em algo que conseguisse ser, digamos, universal em termos de significado (no caso, um radar, fazendo alusão aos temas localização e monitoramento).

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Já no processo de criação das ilustrações (dirigidas por mim, executadas pelo meu amigo Vinícius Lauria), o processo foi mais fácil. Houveram vários rounds até definirmos um estilo, mas em termos de metáfora as coisas fluíram melhor, e percebo que valores como proteção e confiança familiar são bem mais abrangentes no que se trata de cultura.

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Solução: se você não conhece a cultura a fundo, tente pesquisar o que os símbolos que você quer significam para eles. E tenha certeza de que o significado dos símbolos não saia pela culatra (por exemplo, o sinal de mão que quer dizer OK nos EUA mas significa um insulto no Brasil).

 

Conclusão

Por fim, foi uma experiência muito interessante e desafiadora. Me fez enxergar que muito além de questões de demografia, limitações simples como a diferença no layout de teclado devem ser levadas em conta na hora de pensar seu processo.

Coisas que aprendi e dicas que deixo:

  • diferenças de idioma não geram desafios somente no âmbito da fala e escrita, mas também em aspectos visuais e estéticos, a começar pelo próprio alfabeto;
  • seu equipamento e suas ferramentas possivelmente não estão preparados para estas diferenças;
  • a percepção dos usuários difere conforme a cultura, e mesmo que o projeto não tenha condições de oferecer maiores esforços de UX é preciso que o UI designer entenda estes pontos;
  • você pode desenhar as palavras no Google Translate e ele as identifica (dá um trabalhão, mas é legal).

Quem sabe na próxima eu não tenho um job em chinês para comentar aqui?

Você pode ver mais sobre o job aqui neste link.

Confira o artigo original publicado pelo Choco La Design:
Desafios do design cross-cultural


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